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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Debate necessário: Cuba é uma Ditadura?


Por Antonio Renato, professor de História da E. E. Cel. Solon.

Na ciência política, construir conceitos de ditadura, democracia, não constitui algo simples. Qualquer pessoa minimamente honesta sabe que o contexto histórico pesa muito nessas horas. O próprio conceito tradicional, de governo do povo, depende muito desse componente (quem seria o povo?). 

Na Grécia antiga, por exemplo, em Atenas, mulheres e escravos não faziam parte do “povo”. Isso não tira, de forma alguma, o vezo progressista da democracia ateniense, se comparada com os regimes divinizados do antigo oriente próximo; sem falar que a escravidão era uma instituição em todo mundo antigo. Ainda na Grécia antiga, existia um regime político, anterior a democracia, chamado de tirania onde os dirigentes, os tiranos, agiam em favor das classes populares e combatiam os interesses da aristocracia de nascimento, os eupátridas; contudo esses mesmos líderes não chegavam ao poder pela via eleitoral e sim pela força. 


Aqui mesmo, em “nuestra América”, no processo de descolonização, lá no início do século XIX, surgiu uma pequena república, o Paraguai, a partir do antigo vice-reino do rio da prata, cujo líder, Gaspar de Francia, voltou-se para dentro do seu pais, adotando uma postura soberana, construindo algo “sui generis” naqueles tempos: um Estado que não seguia o modelo da maioria das ex-colônias, inclusive o Brasil, de meros fornecedores de produtos primários para a Inglaterra. Seu governo, que combatia a oligarquia local, ficou conhecido como “ditadura perpétua”. Os presidentes  que se seguiram, Carlos e Solano Lopes, não se afastaram dessa linha e por isso são taxados também de ditadores . 

Atualmente, em nosso continente, governos como da Venezuela e da Bolívia, que se afastaram da postura histórica de suas classes dominantes, sócias dos interesses americanos, são classificados pela mídia de autoritários, mesmo se submetendo amiúde a mecanismos democráticos, como plebiscitos, referendos e eleições. O próprio Hugo Chaves, já se submeteu a mais de dez. Ah, os arautos do liberalismo político alegam a tal da alternância de poder; então não precisa fazer eleições. Basta, a cada eleição seguinte, colocar no poder o líder do partido de oposição.  

Na verdade o que percebemos é uma tendência de rotular pejorativamente formas e experiências de Estados que agem em favos de segmentos menos favorecidos tratando tudo e a todos sob um único ponto de vista, desconsiderando (intencionalmente, diga-se de passagem) a historia de cada povo. 
  
Quanto a cuba, não tem como analisar a situação desse pequeno país, do ponto de vista do sistema político, sem ter bem clara a divisão que caracteriza a história da humanidade, entre exploradores e explorados, dominadores e dominados e sem se desfazer de certos preconceitos, como também adotar uma postura mais seletiva no que se refere aos meios de comunicação. 

Jamais teremos, por parte da mídia tradicional e conservadora, um enfoque verdadeiro, honesto, das condições que levaram a ilha caribenha a enveredar por um tipo de democracia radicalmente popular, cujos mecanismos de funcionamento não são os mesmos das democracias formais do ocidente, ditas liberais (EUA e Europa), onde a garantia de eleições periódicas esta longe de significar a existência de uma verdadeira democracia. E justamente por isso, por não esta inserida dentro das características do chamado liberalismo político, é que o sistema político cubano é taxado, por uma mídia carregada de preconceito ideológico e de classe, de ditadura.

Temos que ver, na verdade, a quem serve certos tipos de democracia moldadas de acordo com evolução histórica de cada Estado/nação. Tem também a questão ideológica, para quem o tipo de democracia que atende aos interesses de determinada classe social no poder é o modelo de democracia a ser defendido, como é o caso do já citado liberalismo político aplicado nos países ocidentais, pioneiros da revolução industrial.  

Tal corrente de  pensamento da ciência política, surgida da filosofia iluminista, serviu aos interesses da burguesia em ascensão e tem seu valor histórico, opondo-se aos regimes absolutistas e de origem divina que reinavam na Europa. Democracia, nos moldes que estamos acostumados a ver, é um valor ocidental. Ademais, temos a definição marxista sobre o tema, determinando que na verdade toda a forma de Estado construída ao longo da história da humanidade constitui na verdade “um comitê gestor dos interesses da classe que detém o poder”, sendo, portanto uma ditadura.

Quer uma ditadura maior que o sistema eleitoral americano, a primeira forma de republica moderna, onde há mais de duzentos anos apenas dois partidos comandam a cena política, apesar da imprensa esconder a existência de outros partidos; sem falar que lá mesmo, os negros só tiveram direito a voto muito tempo depois da independência das treze colônias; além de produzir situações engraçadas, como da primeira eleição de George W. Bush, quando esse teve menos voto que o concorrente. 

É que nos EUA, quem elege o presidente é um colégio eleitoral formado a partir do desempenho de cada candidato nos Estados e não a totalidade dos votos dos eleitores.  E o que dizer do nosso, onde após cada eleição o que mais se discute é quanto cada candidato gastou. O que predomina não são as idéias, mas sim a condição financeira de cada candidato. 

Olhe a composição do nosso congresso; ele de fato representa proporcionalmente a nossa sociedade? Na verdade são democracias apenas das classes proprietárias.

Os cubanos fizeram uma revolução em 1959. Um processo revolucionário que se mantém até hoje, mesmo vigorando um bloqueio econômico criminoso que já dura 50 anos; esse absurdo, que os telejornais associados aos interesses americanos não divulgam com tanta ênfase, impede o pais de colocar em prática na sua plenitude o que é mais elementar na história dos povos: o intercâmbio comercial. 

Por várias vezes, esse despautério já foi condenado por resoluções da ONU, com votações esmagadoras, onde os EUA só recebem apoio relevante de seu parceiro ideológico, o belicista e terrorista Estado de Israel. Contudo o bloqueio é apenas um componente de uma serie de episódios com o objetivo de sufocar o país caribenho. 

É público e notório as tentativas de assassinar os lideres do Estado cubano, entre eles o comandante Fidel Castro, sem falar na invasão a ilha dos porcos em 1961, quando os americanos invadiram a ilha tentando derrubar o governo surgido da revolução, dois anos antes.

Não obstante tudo isso, a grande potenciam imperialista, fomenta a contra-revolução interna, financiado-a, juntamente com as viúvas de Fulgêncio Batista( o ditador derrubado pela revolução) escorraçados em 1959, instalados atualmente na Flórida. 

Os Estados Unidos possuem diversos planos públicos (fora os secretos), onde o objetivo é financiar e estimular as diversas formas de oposição a Cuba. Demonstração escancarada de ingerência nos assuntos internos de uma nação; já pensou se um dos partidos americanos recebesse dinheiro cubano pra ganhar uma eleição?  

 Não era intenção do Estado cubano, recém criado com a revolução, expurgar seus opositores; essa foi a saída de uma nação ameaçada, vítima de bloqueios e sabotagens que já duram meio século. O modelo cubano teve que se proteger, de todas as formas, de grupos que decidiram pelo desrespeito as regras institucionais da revolução vitoriosa. 

O modelo de partido único foi forjado nas condições que se colocavam como forma de protegê-la.  O ambiente de verdadeira guerra impede o desenvolvimento pleno do modelo político planejado pela revolução. Mas mesmo assim, tal modelo possui características que podemos classificar como um sistema não-partidário e que estimula a intensa participação popular. 

Um componente essencial do ordenamento jurídico/eleitoral cubano é o poder popular, com suas assembléias em vários níveis (locais, municipais, provincial e nacional). Os candidatos são indicados por organizações sociais. Detalhe: o partido comunista não pode apresentar nomes. Não por acaso, cerca de 300 dos 600 membros da assembléia nacional não são filiados ao partido comunista. Uma característica desse órgão supremo do modelo cubano de democracia é que seus integrantes não são profissionais da política; esses continuam a exercer suas profissões. Que contraste com a maioria dos nossos políticos, que fazem da política uma verdadeira profissão.

 Esses são apenas alguns exemplos de como não devemos analisar o que acontece em cuba, em termos políticos, de forma simplificada, preconceituosa e imediatista; nem ao mesmo tempo ter o modelo político liberal como único, cuja existência de eleições, principalmente em países como o nosso, com sérios problemas sociais e econômicos que produziram e vergonhosamente mantém costumes políticos do inicio do século XX, como o “voto de cabresto”, não são garantias de uma verdadeira democracia popular e de exercício da vontade do povo.

2 Comentários:

marcosbizerra.blogspot.com disse...

Fico impressionado com a capacidade que o amigo Renato tem na defesa das suas ideias! Argumentos que não podem ser desconsiderados de uma mente previlegiada.

Valeu, professor!

Lênin Tierra disse...

Texto impecável!

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