A boneca
- Pai!
- Oi filhão, e ai, o que ta pegando?
- Quando o senhor receber dinheiro compre uma boneca pra eu!
- Você quis dizer um boneco, né?
- Não pai, uma boneca mesmo.
Meu filho disse aquilo saiu para o quarto e eu fiquei ali, na sala, encucado, pensando em todas as interpretações daquele pedido.
Será que meu filho... ? Não, não, nem pensar. No mínimo deve ser pra dar de presente a alguma namoradinha! Ou quem sabe um presente a alguma aniversariante de sua sala de aula! É, meu filho, não! Só tem essa explicação, é presente.
Fui dormir, mas naquela noite demorei adormecer, aquele pedido não mim saia da cabeça. Será que meu filho esta querendo brincar de boneca? Logo o meu filho? Não, definitivamente não. Era presente, tem que ser presente. Tenho certeza.
Bem sedo fui trabalhar, no trabalho esqueci completamente o que meu filho pedira na noite anterior e ao meio dia, ao voltar do trabalho, passo em frente a uma loja de brinquedos, então algo mim chama a atenção e imediatamente lembro do meu filho, não sei o que mim chamou a atenção, porem paro e entro, vejo o boneco do Super – men, do Batman, dos X-men e outros, pesquiso os preços. Fico olhando para a prateleira. O super e o batman ele já tem, o Wolverine não, é isso, vou levar o Wolverine, ta na moda, o Wolverine ele vai adorar.
Saio da loja com uma caixa muito bem embrulhada em papel de presente com desenhos dos X – men e dou uma última olhada para traz e mim arrepio, vejo na vitrine o que mim chamou a atenção, uma grande boneca de cabelos grandes e olhos azuis.
- Aí filhão, olha só o que comprei!
- Ah, obrigado pai, valeu.
Desembrulha o pacote e...
- E minha boneca? Porque não comprou?
Fiquei pasmo ali na sala olhando pra ele procurando uma resposta e ...
- Não tinha bonecas, só tinha bonecos.
Decepcionado vi ele sair mas decepcionado ainda com o Wolverine.
Foi só o que pude responder naquele momento. Minha cabeça estava girando, cheia de medo de encarar a verdade, procurava de todas as formas uma solução para esse problema, imaginava várias respostas para esse comportamento inesperado de meu filho querer por querer brincar de boneca. Já pensou, logo meu filho. Meu Deus o que devo fazer?
À noite, já de volta do trabalho chego a casa mais cedo, minha mulher estranha eu invento uma desculpa qualquer e pergunto por Paulo.
- Ele ainda não chegou, foi passar à tarde na casa da amiguinha Lúcia, foram fazer uma pesquisa que a professora de sociologia pediu.
- Que bom, "amiguinha" né, sobre o quê? Espere, deixe-me adivinhar. Foi sobre namoro, cidadania, coisas assim, acertei?
- Não, mas com exceção do namoro, chegou perto.
- Então diga mulher, foi sobre o quê?
- Foi sobre o racismo que ainda existe na sociedade em relação ao homossexualismo.
Não, aquilo era demais, era muita coincidência, pensei que esse problema ia passar logo, mas parece que estar apenas começando. Sentir um frio na barriga. Fui pra sala e sentei em frente à TV, liguei-a, mas não via nem ouvia nada, minha cabeça estava zunindo, como se uma voz do além estivesse mim alertando com a palavra homossexualismo, homossexualismo, homossexualismo...
Meu Deus, meu filho esta pesquisando sobre como a sociedade trata o homossexualismo, o que vou fazer para tirá-lo desse caminho? Tem que haver uma maneira. Tenho que fazer alguma coisa antes que seja tarde demais. Mas o que farei? Parece que a coisa esta cada vez mais caminhando pra... Não, não quero nem pensar. Já sei, vou falar com um psicólogo, melhor, vou levá-lo a um psicólogo, é isso, vou levá-lo a um psicólogo.
No outro dia ligo para o trabalho e finjo está doente, digo pra o outro lado da linha;
- Vou ao médico.
Meu filho vai saindo quando eu o interrompo:
- Filhão - filhão é coisa de homem - posso te levar a escola hoje?
- Claro pai.
Saio com ele, mas em vez de ir pra escola vou ao psicólogo.
Antes de meu filho entrar eu é que entro e explico o motivo da minha visita. O psicólogo fica olhando pra mim sem dizer nada, com cara de zangado, parece ate que tem alguma coisa o incomodando, não sei o que é, mas aí eu lembro que é assim mesmo, médico de hospital público se acha o dono do mundo, quando finalmente ele fala.
- Traga o garoto!
Mando Paulo entrar.
- Por favor, senhor Edílson, deixe - nos a sós.
Sair e deixei os dois. Porém, quando o médico falou pela segunda vez, sentir que alguma coisa mim incomodou novamente, não sabia o que era, mas sentia que era a mesma sensação que mim veio lá na loja, e o pior, sentir que era algo que eu não gostava, mas logo deixei esses pensamentos para traz e pus a mim concentrar na recuperação do meu filho. Mim tranqüilizei, agora sim, ele vai sair daqui querendo brincar somente com bonecos. Preciso pensar positivo. Pensei com meus botões.
A sessão durou cerca de meia hora.
- E aí doutor, como foi, tudo bem?
- Tudo óootimo, seu filho é um verdadeiro garanhãaao!
Fiquei de boca aberta. Aquilo mim deixou arrasado, foi como uma flecha no meu coração, o psicólogo era guei, eu tentando afasta-lo de uma boneca e acabei trazendo-o para uma boneca. Pense no azar. Tantos psicólogos nesse hospital e eu fui consultar meu filho logo com esse. E agora? O que vou fazer? É, parece que o destino do meu filho esta traçado, e olha que ate a pouco eu não acreditava em destino.
No caminho do hospital pra casa não nos falamos nada, meu pensamento estava pra lá de Bagdá, não sabia mais o que fazer, acho que já estava na hora de eu encarar a verdade. Tive uma outra idéia, vou trancá-lo no quarto, passará uma semana de castigo. Não, isso também não faria bem, ele poderia se rebelar aí seria pior. Quem sabe uma conversa de homem pra homem. Também não, ele tem somente oito anos, não iria entender, alem do mais, como conversar sobre esse assunto com uma criança? Será que devo deixar o tempo passar e ver no que vai dar? Não, é muito arriscado, pois depois de grande não posso mais controlar e aí não tem mais jeito... Deus por favor, mim ajude.
À tarde fui para o trabalho, meus colegas protestaram dizendo que eu não precisava trabalhar doente, eu interpelei dizendo que já estava bom, mas não adiantou, com meu semblante cansado das noites mal dormidas, devido a este problema e, diga-se de passagem, problema sem solução, realmente parecia um doente, e o pior, doença grave. Doença que não tem cura e pior ainda, não só parecia, era real.
À noitinha volto para casa com o mesmo semblante de preocupação, no caminho passo novamente pela loja de brinquedo, olho a grande boneca de cabelos longos na vitrine e entro, sem muito pesquisar, tomo uma decisão, compro a Mulher Maravilha, é uma boneca que menino pode brincar, o balconista pede para embrulhar, eu digo que não precisa, digo que é para completar a coleção da liga da justiça, digo ainda que sou colecionador, no fundo de meus pensamentos eu completo: ah se fosse!. Saio da loja com a boneca dentro da camisa, espero que nenhum dos meus amigos veja. O que eu iria dizer a eles? Bem amigos, esta boneca é... Chega de sofrer, agora vou entregar o caso a Deus, afinal Ele sabe o que faz. Que seja da sua vontade.
- Paulo, olha o que eu comprei!
- Valeu pai, ate que enfim o senhor comprou uma boneca, agora sim, finalmente posso brincar. O super-homem e o Batman vão se duelar pra ver quem fica com a Mulher Maravilha.
Ah, então é isso.
2 Comentários:
kkkkkkkkkk
gostei, muito legal.
ha!
parabens pelo blog gostei muito de tudo.
Obrigado Alison, é bom saber que tem pessoas que gostam de ler, como diz a globo, ler também é um exercício.
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