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sexta-feira, 11 de maio de 2012

O Brasil e a maldição de ser rico.



Por Antonio Renato, professor de Historia da E. E. Cel. Solon.
País de enormes recursos naturais. As melhores terras agricultáveis. No nosso subsolo existe uma diversidade de minérios; atualmente viramos até potencia petrolífera. Tudo isso é verdade. E não é preciso ser um grande estudioso das nossas potencialidades pra ter uma exata noção desse quadro. A grande questão é justamente entender os motivos, as causas que levam toda essas condições naturais favoráveis a não ter uma correspondência quando o assunto são as condições materiais da nação, ou seja, seu sistema de saúde, educação, segurança pública, nível de desenvolvimento tecnológico e industrial, etc.

A explicação existe e não é de natureza simplista, como muitos querem fazer crer. Alguns fariseus de plantão, dotados do velho espírito udenista/lacerdista bradam: é a corrupção. É verdade. Mas vamos colocar, honestamente, as coisas no seu devido lugar. A corrupção é mais uma consequência; ademais ela é um componente de várias formações históricas e culturais ( ou na Roma antiga não havia essa prática), sempre esteve presente na engrenagem do Estado, assumindo varias facetas ao longo dos tempos e, convenhamos, não é “privilégio” só do Brasil. Essa explicação simplista ela não é isenta de intenções.


 Ela visa descartar o papel do processo histórico, e fazendo isso isenta a responsabilidade das classes sociais, ou seja, das nossas classes dominantes; sua condição contumaz de sócias vassalas dos interesses estrangeiros e suas práticas permanentes de lesa-pátria, sempre foram características da nossa história. E nessa avenida que é a nossa história, é que desfilou e desfila impune no bloco das nossas elites históricas, a corrupção, semelhante a uma saúva, corroendo o país; pois é nesse sentido, e antes que os mais apressados insinuem que estou descartando a ação deletéria dessa perniciosa característica tupiniquim, que coloco a mesma como uma cosequencia, pois é da natureza dessas elites que comandam o Estado Brasileiro.

 E pra encerrar esse assunto cito o bravo e nacionalista senador Requião em um de seus pronunciamentos: ”Caso continuemos dissociando a luta contra a corrupção da luta pelas reformas econômica, política, social e jurídica, vamos continuar vendo a sangria inestancável do erário. A corrupção é uma doença sistêmica. Ela é inerente, parte constituinte, parte integrante do sistema capitalista, do capitalismo financeiro tal e qual o vivemos hoje no Brasil”. E ele conclui: “não há moralidade no capitalismo neoliberal.”

O ponto que insisto, sem medo de ser repetitivo, é de natureza econômica. Esse tema, que me parece, não tem eco, infelizmente, entre os formadores de opinião, na academia, nas  “inteligências” enfim  do nosso imenso país. É como se fosse uma heresia, aquelas lá da idade media, cujo autor pode, juntamente com suas ideias, arder nas fogueiras do consenso geral, da inquisição neoliberal, devidamente permitida pelo Deus mercado. Nosso problema é econômico. Por que nunca imitamos os bons exemplos do centro do capitalismo, como os Estados Unidos, que lá nos primeiros tempos de sua independência, na pessoa do secretário de Estado do governo de George Washington, Alexandre Hamiltom, estabeleceu, mesmo com toda a oposição do império inglês, o chamado “tratado das manufaturas”, que em linhas gerais impedia a jovem nação americana de ser uma simples fornecedora de matérias-primas. 

Numa palavra, é de industrialização que carecemos; de produzir produtos que agregue valor, os tais manufaturados, precisamos investir toda a capacidade do país nesse projeto. Aparentemente algo tão simples. Pois bem, é aí que está a questão. As nossas classes dominantes associadas aos interesses estrangeiros, fizeram e fazem de tudo pra impedir que desenvolvamos cada vez mais essa condição; já levaram presidentes ao suicídio, já quebraram a legalidade institucional do país e atualmente, usando outros métodos, já noutro contexto histórico, enquadraram e conseguiram a adesão apaixonada de parcela do pensamento da esquerda brasileira, resignada como que aceitando uma profecia. Hoje os preceitos neoliberais mais parece uma religião, pois ninguém ousa contrapor seus dogmas: desregulamentação dos mercados, cambio livre, enfraquecimento do papel do Estado-nação, etc. O que tem que prevalecer é a velha divisão internacional do trabalho, onde nosso papel é bem simples: temos que ser meros fornecedores de matérias-primas e produtos agrícolas.

Mas não aprendemos na escola que o Brasil é um país subdesenvolvido, contudo industrializado. É verdade, conseguimos essa condição, muito embora nosso tipo de industrialização não se insira na forma clássica; foi tardia, com fundamental intervenção do Estado no setor de base (siderurgia) e produto do excedente de capitais estrangeiros no setor de bens de transformação (indústria automobilística). Pra isso foi decisivo o papel da Revolução de 30, nosso terceiro grande salto civilizatório e o projeto nacional levado à frente pelos governos nacionalistas de Vargas e depois pelo desenvolvimentista governo de Juscelino; e quem diria até o regime militar teve uma contribuição nesse sentido.

 Mesmo com essas características, de país colonizado, sem uma burguesia nacionalista, sofreu oposição constante das nossas elites (financeira e agrária). Na década de 80, os tais tigres asiáticos, todos juntos, não tinham nossa capacidade industrial. Hoje a situação se inverteu. Nós não produzimos 20% do que eles atualmente produzem. Com apenas esse dado, percebe-se um retrocesso nesse processo. Estamos nos desindustrializando

Nossa economia está se reprimarizando. Muito interessante. Vivemos agora a base de exportações de minério de ferro, soja, cana, pecuária de corte, ou seja, as tais comodities. É a grande estrela da nossa pauta de exportação. Os produtos elaborados/industrializados, na década de 80, constituía 60% das nossas exportações, hoje não chega a 20. E qual a lógica desse processo? É que continuamos sendo um país rico que não produz riqueza para seu povo. Estamos produzindo empregos industriais, que é um emprego mais qualificado, lá fora. Mas a vida do brasileiro não melhorou na última década; a tal classe “C” aumentou seu contingente. Tudo isso é verdade, mas é ao mesmo tempo uma armadilha.

A grande questão é: o que tem provocado esse retrocesso. Mais uma vez a explicação exige uma boa dose de paciência e honestidade. Década de 90, os ideólogos decretam a vitória final do capitalismo e de sua face mais cruel, o neoliberalismo. Na América latina uma onda de governos adere genuflexos, a essa nova ordem. No Brasil, nosso Fernando estabelecia os novos rumos da economia, o tripé que joga por terra qualquer perspectiva de um projeto nacional: superávit primário, câmbio flutuante e juros altos. 

O primeiro reserva quase metade do orçamento nacional só para o pagamento de juros da divida; o segundo e o terceiro, sob as bênçãos da autonomia do banco central são os que atingem mais diretamente a nossa indústria. Essa combinação dificulta o papel do capital produtivo e facilita a entrada indiscriminada do capital especulativo, que alguns chamam de capital vadio, que não produz, mais uma vez nas palavras do senador Requião, “um botão, uma peça de camisa”. 

Resultado: nossa capacidade industrial agoniza e na outra ponta, graças à robustez da economia chinesa, ganha importância o agronegócio. É a velha cantilena da nossa vocação agrícola, de triste memória. Mas aí retomo a questão da condição de vida do brasileiro, do aumento da classe media etc. É uma realidade. O problema é a base frágil sob a qual se assenta essa aparente prosperidade. Não vamos colocar aqui em dúvida o vezo social dos oitos anos do governo Lula: aumento real do salário mínimo e da massa salarial em geral; as tais políticas compensatórias e o aumento do crédito, e que podemos classificar como um dos grandes presidentes da república. 

Contudo, e aí entra vários fatores de ordem política e ideológica, ele não rompeu com aquele tripé pernicioso e não fez as reformas econômicas necessárias. Seria muito bom se um país sustentasse um projeto de nação baseado em exportação de produtos primários e no crédito pessoal de longo prazo. Não é isso que a história nos ensina; se assim fosse desde os tempos de colônia que estaríamos bem na foto; e quanto ao crédito facilitado, essa é a grande armadilha a que me refiro. O próprio centro do capitalismo nos fornece essa experiência com a crise dos subprime, quando os governos neoliberais trocaram o poder do salário na movimentação da economia, pelos empréstimos de longo prazo, tudo pra satisfazer  a jogatina financeira.  É a chamada financeirização da economia.

 As ditas nações ricas e desenvolvidas são as que primeiro se industrializaram e que são possuidoras de alta tecnologia. Uma das razões da pujança econômica da China atual é a exportação de seus manufaturados. A Historia recente das nações mostra que suas condições socioeconômicas estão diretamente associadas a sua capacidade de transformar a natureza, as matérias-primas. 

No nosso país, os efeitos da aplicação dessa política nociva já se mostram há algum tempo, onde o efeito mais visível é a diminuição do emprego industrial e o pífio crescimento da economia se comparada a outros emergentes, fora os efeitos estruturais. Medidas no governo de Dona Dilma são tomadas, porém não são marcadas pela rapidez, profundeza e radicalidade necessárias. 

Temos aí dez anos de governos, no espectro ideológico, que podemos classificar como de centro-esquerda e que tem que ter a devida consciência de sua missão histórica, por em prática um projeto nacional, que historicamente é um processo endógeno, construído a partir das potencialidades da nação; potencialidades que só assim, finalmente, estarão a serviço de seu povo.

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