O Brasil e a maldição de ser rico.
Por Antonio Renato,
professor de Historia da E. E. Cel. Solon.
País de enormes recursos
naturais. As melhores terras agricultáveis. No nosso subsolo existe uma
diversidade de minérios; atualmente viramos até potencia petrolífera. Tudo isso
é verdade. E não é preciso ser um grande estudioso das nossas potencialidades
pra ter uma exata noção desse quadro. A grande questão é justamente entender os
motivos, as causas que levam toda essas condições naturais favoráveis a não ter
uma correspondência quando o assunto são as condições materiais da nação, ou
seja, seu sistema de saúde, educação, segurança pública, nível de
desenvolvimento tecnológico e industrial, etc.
A explicação existe e não é de
natureza simplista, como muitos querem fazer crer. Alguns fariseus de plantão,
dotados do velho espírito udenista/lacerdista bradam: é a corrupção. É verdade.
Mas vamos colocar, honestamente, as coisas no seu devido lugar. A corrupção é
mais uma consequência; ademais ela é um componente de várias formações
históricas e culturais ( ou na Roma antiga não havia essa prática), sempre
esteve presente na engrenagem do Estado, assumindo varias facetas ao longo dos
tempos e, convenhamos, não é “privilégio” só do Brasil. Essa explicação
simplista ela não é isenta de intenções.
Ela visa descartar o papel do processo
histórico, e fazendo isso isenta a responsabilidade das classes sociais, ou
seja, das nossas classes dominantes; sua condição contumaz de sócias vassalas
dos interesses estrangeiros e suas práticas permanentes de lesa-pátria, sempre
foram características da nossa história. E nessa avenida que é a nossa história,
é que desfilou e desfila impune no bloco das nossas elites históricas, a
corrupção, semelhante a uma saúva, corroendo o país; pois é nesse sentido, e
antes que os mais apressados insinuem que estou descartando a ação deletéria dessa
perniciosa característica tupiniquim, que coloco a mesma como uma cosequencia,
pois é da natureza dessas elites que comandam o Estado Brasileiro.
E pra
encerrar esse assunto cito o bravo e nacionalista senador Requião em um de seus
pronunciamentos: ”Caso continuemos dissociando a luta contra a corrupção da
luta pelas reformas econômica, política, social e jurídica, vamos continuar
vendo a sangria inestancável do erário. A corrupção é uma doença sistêmica. Ela
é inerente, parte constituinte, parte integrante do sistema capitalista, do
capitalismo financeiro tal e qual o vivemos hoje no Brasil”. E ele conclui:
“não há moralidade no capitalismo neoliberal.”
O ponto que insisto, sem medo de
ser repetitivo, é de natureza econômica. Esse tema, que me parece, não tem eco,
infelizmente, entre os formadores de opinião, na academia, nas “inteligências” enfim do nosso imenso país. É como se fosse uma
heresia, aquelas lá da idade media, cujo autor pode, juntamente com suas
ideias, arder nas fogueiras do consenso geral, da inquisição neoliberal,
devidamente permitida pelo Deus mercado. Nosso problema é econômico. Por que
nunca imitamos os bons exemplos do centro do capitalismo, como os Estados
Unidos, que lá nos primeiros tempos de sua independência, na pessoa do
secretário de Estado do governo de George Washington, Alexandre Hamiltom,
estabeleceu, mesmo com toda a oposição do império inglês, o chamado “tratado das
manufaturas”, que em linhas gerais impedia a jovem nação americana de ser uma
simples fornecedora de matérias-primas.
Numa palavra, é de industrialização que
carecemos; de produzir produtos que agregue valor, os tais manufaturados,
precisamos investir toda a capacidade do país nesse projeto. Aparentemente algo
tão simples. Pois bem, é aí que está a questão. As nossas classes dominantes
associadas aos interesses estrangeiros, fizeram e fazem de tudo pra impedir que
desenvolvamos cada vez mais essa condição; já levaram presidentes ao suicídio,
já quebraram a legalidade institucional do país e atualmente, usando outros
métodos, já noutro contexto histórico, enquadraram e conseguiram a adesão
apaixonada de parcela do pensamento da esquerda brasileira, resignada como que
aceitando uma profecia. Hoje os preceitos neoliberais mais parece uma religião,
pois ninguém ousa contrapor seus dogmas: desregulamentação dos mercados, cambio
livre, enfraquecimento do papel do Estado-nação, etc. O que tem que prevalecer
é a velha divisão internacional do
trabalho, onde nosso papel é bem simples: temos que ser meros fornecedores
de matérias-primas e produtos agrícolas.
Mas não aprendemos na escola que
o Brasil é um país subdesenvolvido, contudo industrializado. É verdade, conseguimos
essa condição, muito embora nosso tipo de industrialização não se insira na
forma clássica; foi tardia, com fundamental intervenção do Estado no setor de base
(siderurgia) e produto do excedente de capitais estrangeiros no setor de bens
de transformação (indústria automobilística). Pra isso foi decisivo o papel da
Revolução de 30, nosso terceiro grande salto civilizatório e o projeto nacional
levado à frente pelos governos nacionalistas de Vargas e depois pelo
desenvolvimentista governo de Juscelino; e quem diria até o regime militar teve
uma contribuição nesse sentido.
Mesmo com essas características, de país
colonizado, sem uma burguesia nacionalista, sofreu oposição constante das
nossas elites (financeira e agrária). Na década de 80, os tais tigres
asiáticos, todos juntos, não tinham nossa capacidade industrial. Hoje a
situação se inverteu. Nós não produzimos 20% do que eles atualmente produzem.
Com apenas esse dado, percebe-se um retrocesso nesse processo. Estamos nos desindustrializando.
Nossa economia
está se reprimarizando. Muito interessante. Vivemos agora a base de exportações
de minério de ferro, soja, cana, pecuária de corte, ou seja, as tais
comodities. É a grande estrela da nossa pauta de exportação. Os produtos
elaborados/industrializados, na década de 80, constituía 60% das nossas
exportações, hoje não chega a 20. E qual a lógica desse processo? É que
continuamos sendo um país rico que não produz riqueza para seu povo. Estamos
produzindo empregos industriais, que é um emprego mais qualificado, lá fora.
Mas a vida do brasileiro não melhorou na última década; a tal classe “C”
aumentou seu contingente. Tudo isso é verdade, mas é ao mesmo tempo uma
armadilha.
A grande questão é: o que tem
provocado esse retrocesso. Mais uma vez a explicação exige uma boa dose de
paciência e honestidade. Década de 90, os ideólogos decretam a vitória final do
capitalismo e de sua face mais cruel, o neoliberalismo. Na América latina uma
onda de governos adere genuflexos, a essa nova ordem. No Brasil, nosso Fernando
estabelecia os novos rumos da economia, o tripé que joga por terra qualquer
perspectiva de um projeto nacional: superávit primário, câmbio flutuante e
juros altos.
O primeiro reserva quase metade do orçamento nacional só para o
pagamento de juros da divida; o segundo e o terceiro, sob as bênçãos da
autonomia do banco central são os que atingem mais diretamente a nossa
indústria. Essa combinação dificulta o papel do capital produtivo e facilita a
entrada indiscriminada do capital especulativo, que alguns chamam de capital
vadio, que não produz, mais uma vez nas palavras do senador Requião, “um botão,
uma peça de camisa”.
Resultado: nossa capacidade industrial agoniza e na outra
ponta, graças à robustez da economia chinesa, ganha importância o agronegócio.
É a velha cantilena da nossa vocação agrícola, de triste memória. Mas aí retomo
a questão da condição de vida do brasileiro, do aumento da classe media etc. É
uma realidade. O problema é a base frágil sob a qual se assenta essa aparente
prosperidade. Não vamos colocar aqui em dúvida o vezo social dos oitos anos do
governo Lula: aumento real do salário mínimo e da massa salarial em geral; as
tais políticas compensatórias e o aumento do crédito, e que podemos classificar
como um dos grandes presidentes da república.
Contudo, e aí entra vários
fatores de ordem política e ideológica, ele não rompeu com aquele tripé pernicioso
e não fez as reformas econômicas necessárias. Seria muito bom se um país
sustentasse um projeto de nação baseado em exportação de produtos primários e no
crédito pessoal de longo prazo. Não é isso que a história nos ensina; se assim
fosse desde os tempos de colônia que estaríamos bem na foto; e quanto ao
crédito facilitado, essa é a grande armadilha a que me refiro. O próprio centro
do capitalismo nos fornece essa experiência com a crise dos subprime, quando os
governos neoliberais trocaram o poder do salário na movimentação da economia,
pelos empréstimos de longo prazo, tudo pra satisfazer a jogatina financeira. É a chamada financeirização da economia.
As ditas nações ricas e desenvolvidas são as que
primeiro se industrializaram e que são possuidoras de alta tecnologia. Uma das
razões da pujança econômica da China atual é a exportação de seus
manufaturados. A Historia recente das nações mostra que suas condições
socioeconômicas estão diretamente associadas a sua capacidade de transformar a
natureza, as matérias-primas.
No nosso país, os efeitos da aplicação dessa
política nociva já se mostram há algum tempo, onde o efeito mais visível é a
diminuição do emprego industrial e o pífio crescimento da economia se comparada
a outros emergentes, fora os efeitos estruturais. Medidas no governo de Dona
Dilma são tomadas, porém não são marcadas pela rapidez, profundeza e radicalidade
necessárias.
Temos aí dez anos de governos, no espectro ideológico, que podemos
classificar como de centro-esquerda e que tem que ter a devida consciência de
sua missão histórica, por em prática um projeto nacional, que historicamente é
um processo endógeno, construído a partir das potencialidades da nação;
potencialidades que só assim, finalmente, estarão a serviço de seu povo.
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