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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A morte de Amadeu


Entra um rapaz no ônibus, muito espantado, respirando fundo, como se tivesse visto alma e diz para o primeiro que se encontra sentado na poltrona:
-- Rapaz, houve um acidente de carro ali, na Avenida Alberto Maranhão e morreu um pedestre de Grossos.
-- Que é isso homem, quem era?
-- Rapaz sei não, mas ele tinha cabelos grisalhos, mais ou menos, um metro e sessenta e, pelo que mim disseram, ele trabalhava na prefeitura.
Em poucos minutos, no ônibus que já se dirigia à Grossos, era só o que se comentava. Em duas poltronas, duas senhoras glosavam com muito pesar:
-- Pobre coitado, talvez tenha vindo a Mossoró só resolver um problema e talvez muier, nem tenha resolvido. E a família, quando souber, hem?
-- Né não muier. Coitados, ficam aguardando ele chegar e quando chegar é num caixão.
A segunda puxa um lenço do bolso, levanta o óculo e limpa uma lágrima que rolou, apesar que ninguém ver lágrima. A outra imita o gesto, talvez por cumplicidade.
Todos no ônibus estão comovidos, faz-se um silencio, o que se ouve são apenas o som dos pneus do veículo e o do vento sendo cortado pelos vidros das janelas, talvez cada um esteja imaginando na pergunta que está no ar, na pergunta nevrálgica. Quem é que morreu afinal?
De repente um senhor sentado no banco de traz do ônibus exclama em voz alta:
-- Hei, espere um pouco, a pessoa de cabelos grisalhos, mais ou menos um metro e sessenta, que é funcionário da prefeitura, veio conosco e não esta aqui, é; fez um suspense enquanto todos lhe dirigiam os olhares; AMADEU!
Uma moça no banco da frente, de imediato toma um susto e cai numa choradeira de dá pena:
-- Não, não, papai não, por favor meu Deus, meu pai não...!
Alguns tentaram logo acalenta-la, um senhor sentado ao lado na outra fila, bebendo uma água mineral, cuida logo de oferecê-la um copo, enquanto que outros já se aproximam para dar suas respectivas condolências.
O ônibus segue sua trajetória como faz todo santo dia, com exceção dos domingos. Em seu interior, não se ouve palavra alguma, só os soluços de umas quatro senhoras ao redor da jovem que já se encontrava nesse momento mais tranqüila, pois já lhe tinham dado um calmante. Cá pra nós, não sei de onde tiraram este comprimido tão rápido, mas também compreendo que nessas horas de aflição, as coisas difíceis são as mais fáceis.
Aproximadamente 12h00min, hora em que o ônibus vai chegando ao término de sua escala, onde não tem parada fixa, pára toda vez que passa em frente à casa de algum passageiro, estes por sua vez, ao passar pela jovem, mais uma vez dão-lhes seus pêsames, a jovem já dopada, aperta as mãos e os passageiros descem.
Lá traz, dois senhores comentam:
-- Quando será o enterro, hem?
-- Acho que ainda hoje, pois morreu agora de manhã,
-- É mesmo, talvez lá pras três ou quatro horas da tarde, você vai?
-- Vou, Amadeu era um bom homem, um cara legal, sempre via ele ali pela prefeitura.
-- Ele trabalhava em que mesmo, hem?
-- Sei não, só sei que era na prefeitura, e nos ajudava muito ali no caixa do banco, sempre que precisei, chamava ele...
O ônibus vai de cidade adentro, passa pela igreja e pára, desce uns dois e segue.
A cidade está um pouco agitada, os poucos passageiros que ainda restam no ônibus logo concluem que todo mundo já sabe. Mais uma parada, em frente ao “sacolão”, enquanto desce um passageiro, outro que está na janela, ouve a conversa de dois garotos ao lado do ônibus:
-- Vamos jogar bola André? Aproveitar que hoje não tem aula.
-- Vamos. Mas quem primeiro forma a barra é eu, a bola é minha.
Ao ouvir essa conversa, ele conclui:
-- Garotos arrogantes, sem educação, nem respeitam mais uma pessoa que morre, as escolas liberam para irem ao enterro e em vez disso, vão é jogar bola. Quero saber o que eles vão fazer todo santo dia nos colégios, eu lá confio mais nessas escolas de hoje em dia!
Um outro senhor na poltrona à frente deste comenta:
-- É assim mesmo, fazer o que? São os dias de hoje, no meu tempo não era assim não, não mesmo.
Pedro Maia, passando no carro de som, anuncia:
-- É hoje, neste sábado, matinê com Tony Dilmar no bar Antonio de Massa, na comunidade da Valência, imperdível.
O ônibus da a partida e segue, agora vai passando em frente ao bar Hollyood, quando um rapaz muito espantado sentado em uma das poltronas do meio, põe a cabeça pra fora da janela e quase gritando diz:
-- Olha lá, no bar, Amadeu tomando cerveja!
Mais tarde, já em casa, uma das passageiras houve uma notícia no rádio, no mínimo interessante:
-- Morreu hoje, logo cedo, vitima de atropelamento, um cidadão que ainda não foi identificado, sabe-se apenas que tinha um metro e sessenta, cãs grisalhos, de meia idade e era da cidade de Caraúbas. No que ela reclama:
-- Por favor, alguém desligue esse rádio, pelo amor de Deus, estou morrendo de dor de cabeça. Seu pai então conclui:
-- Deve esta passando o efeito dos tranqüilizantes que você tomou.
Uma coisa deve-se tomar como lição nessa historia toda; nunca devemos tirar conclusões precipitadas com nada que ouvimos ou vemos. Tem um ditado que diz assim: devemos sempre duvidar do que vemos e nunca acreditar fielmente no que ouvimos.

1 Comentário:

Professora Netinha disse...

Gostei muito do seu Blog, vou visitá-lo com mais frequência.

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